O lixo — quem diria? — virou um grande negócio
no Brasil. Diante de um mercado de 20 bilhões de reais, empresários se unem a
banqueiros para investir no setor
Samantha Lima e Ana Luiza Herzog, de Kiko Ferrite/EXAME.com
Wilson Quintella Júnior, da Estre: parceria com o BTG, de André
Esteves, para adquirir uma empresa concorrente e conseguir dobrar de tamanho em
2011
São Paulo - Em uma entrevista recente gravada em vídeo pela
revista americana de negócios Fortune, o executivo David Steiner soltou a
seguinte previsão: daqui a dez anos, será possível extrair tanta riqueza do
lixo que as empresas do setor poderão fazer sua coleta de graça, sem que nenhum
governo tenha de pagar pelo serviço.
Ao ouvir a declaração, o interlocutor de Steiner esboçou um
sorrisinho de deboche, mas não retrucou. David Steiner ainda está em posição de
receber crédito por suas palavras, por mais que elas soem como delírio. Há sete
anos ele é o presidente da Waste Management, a maior empresa de lixo dos
Estados Unidos e uma das maiores do mundo.
Sob sua gestão estão 273 aterros sanitários, 17 usinas de
geração de energia por meio da incineração do
lixo e 119 operações de conversão do gás metano dos aterros em energia. A Waste
Management ainda opera 91 estações de reciclagem de lixo comum e 34 de
processamento de lixo orgânico.
Com isso, fatura cerca de 12 bilhões de dólares por ano. Hoje,
não há nada no Brasil que se pareça com isso — nem em tamanho de receita nem em
modelo. Mas, para alguns empresários e investidores, a Waste Management já é
uma referência num negócio por muito tempo negligenciado.
Segundo estimativas, o mercado de lixo, hoje tremendamente
pulverizado, movimenta quase 20 bilhões de reais por ano no país. Um dos
que acompanham com entusiasmo odesempenho da Waste Management e
sonham em fazer algo parecido é o paulista Wilson Quintella Júnior, de 54 anos
— o homem à frente da Estre.
A empresa nasceu há 11 anos com a construção de um aterro
sanitário no município de Paulínia, no interior de São Paulo — na época,
Quintella deixou um emprego na GP Investimentos para se
dedicar ao novo negócio.
De lá para cá, ampliou seus domínios e hoje opera dez aterros,
que atendem centenas de clientes públicos e privados e estão localizados nos
estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná e em Bogotá, na ColÃ?mbia, e
Buenos Aires, na Argentina. Outros dois deverão ser inaugurados nos próximos
meses — na cidade paulista de Piratininga e em Aracaju.
Em março deste ano, Quintella fez uma manobra ousada: com a
ajuda do BTG Pactual, de André Esteves, atropelou um fundo de private equity
que vinha já há algum tempo negociando a empresa de coleta de lixo urbano Cavo,
do grupo Camargo Corrêa, e a comprou por 610 milhões de reais. A aquisição da
Cavo fará com que o faturamento da Estre, previsto para alcançar 640 milhões de
reais em 2011, dobre.
Com os negócios da Estre nessa toada, não é de admirar que, numa
palestra recente dada em São Paulo para convidados do Bank of America Merrill Lynch, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha feito menção a Quintella, presente
na plateia, dizendo que ele “está rindo de orelha a orelha com o lixo”.
O que faz Quintella sorrir não é tanto o que ele já conseguiu
construir, mas o potencial que vê pela frente. Ainda hoje a coleta atinge
apenas 88% do lixo gerado no Brasil.
E, desse volume, 42% ainda são destinados aos
lixões. No ano passado, depois de quase 20 anos tramitando no Congresso Nacional,
a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos foi finalmente aprovada.
Com ela, foi determinado que 2014 será a data-limite para que
todos os municípios do país fechem seus lixões. As prefeituras também terão de
estabelecer programas de gestão do lixo que permitam separar os resíduos —
aquilo que pode ser reaproveitado — dos rejeitos — material que realmente
merece ir para os aterros.
Além disso, a lei deixa claro que a indústria e os consumidores
têm deveres a cumprir em relação aos resíduos que geram. Mas isso é o que está
no papel. “Há ainda muitos questionamentos sobre como todas essas premissas vão
funcionar na prática”, diz Fabricio Soler, advogado especializado em meio
ambiente do escritório Felsberg e Associados, de São Paulo. E se vão funcionar.
Consórcio de resíduos
No passado, muito dinheiro público foi distribuído a pequenos
municípios para que eles construíssem aterros. O baixo volume de resíduos,
associado ao custo e à complexidade de operação do empreendimento, fez com que
a maioria se transformasse em lixões.
O desafio agora está em fazer com que os
municípios trabalhem juntos, de modo a criar uma espécie de “consórcio” para
administrar seu lixo. Os diferentes setores da
indústria também terão de se mexer e apresentar ao governo propostas sobre como
vão fazer a logística reversa de seus produtos.
Pela lei, as indústrias são responsáveis por dar uma destinação
correta a seus produtos descartados pelo consumidor. Até agora, segundo
especialistas, as discussões setoriais têm sido mais acaloradas do que
produtivas.
Independentemente desse cenário ainda nebuloso, muitas empresas
ligadas ao negócio do lixo já estão se movendo para aproveitar as oportunidades de negócios decorrentes
dessas mudanças.
“Esse setor vai explodir no Brasil nesta década. Sobrarão os que
estiverem muito preparados”, diz o grego Antonis Mavropoulos, diretor da
Associação Internacional de Resíduos Sólidos.
Por enquanto, a Estre é vista como uma das candidatas a liderar
essa consolidação. Sua maior concorrente nesse processo é a Haztec, com sede no
Rio de Janeiro.
Até ser comprada pelo paulista Paulo Tupinambá e mais dois
sócios, em 2003, a Haztec era uma consultoria ambiental que faturava 7 milhões
de reais por ano prestando serviços como o de descontaminação de solos.
Desde então, a empresa cresceu um bocado. O fundo Infrabrasil —
dos fundos de pensão Petros (da Petrobras) e Funcef (da Caixa EconÃ?mica Federal), gerido pelo Santander — injetou
200 milhões de reais na empresa entre 2007 e 2010 e hoje tem uma participação
de 50%.
Em 2008 foi a vez do fundo de private equity do Bradesco
investir 160 milhões de reais para ficar com uma fatia de 28% da Haztec. Há um
mês, a empresa recebeu grau de investimento — ou seja, representa baixo risco
de calote para seus credores — pela agência de classificação de risco Fitch
Ratings
A previsão é que a companhia encerre 2011 com faturamento de 700
milhões de reais, a maior parte desse dinheiro oriunda da gestão de quatro
aterros sanitários públicos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e
Pernambuco. Recentemente, a Haztec começou a operar sua quinta unidade, o
aterro de Seropédica, na região metropolitana do Rio de Janeiro.
O local é emblemático da mudança da administração dos negócios
do lixo no país. Isso porque ele substituirá, até 2012, Jardim Gramacho — misto
de aterro e de lixão que por décadas manchou a imagem do Rio de Janeiro e foi
cenário de Lixo Extraordinário, documentário sobre o trabalho do artista plástico
brasileiro Vik Muniz com catadores de material reciclável e que concorreu ao
Oscar deste ano.
Além dos aterros, a empresa também ganha com outros negócios. Em
janeiro, a Haztec comprou a Biogás, empresa que usa o metano resultante da
decomposição do lixo de dois aterros para gerar algo como 40 megawatts de
energia, suficientes para iluminar, por exemplo, uma cidade de 200 000
habitantes. A energia obtida é vendida no mercado livre.
Um dos desafios das empresas que atuam no mercado de lixo é
descobrir novos nichos. Foi o que fez a paulista Ambitec, que prevê faturar
neste ano algo como 400 milhões de reais — a maior parte dessa receita vem da
gestão de resíduos de empresas de grande porte, como Johnson&Johnson,
Embraer e International Paper.
Em abril, a Ambitec pagou 4,5 milhões de reais para adquirir 49%
da startup Descarte Certo. Fundada pelo ex-executivo Lucio Di Domenico há menos
de três anos, a Descarte Certo oferece aos consumidores, por meio de seu próprio site ou nas lojas de
varejistas como Carrefour e Cybelar, um serviço de coleta e de descarte
ecologicamente correto de produtos.
Até agora, a empresa atuava apenas como intermediária entre
consumidores e empresas de manufatura reversa. “Nos próximos meses, faremos
investimentos para que ela mesma execute todo o processo”, diz André Oda,
professor de finanças da FEA-USP que há um ano foi chamado pela família
Borlenghi, dona da Ambitec, para ajudá-la no processo de profissionalização e
de preparação para um futuro IPO. “A hora desse mercado é agora. Quem não se
posicionar rapidamente perderá a oportunidade.”